RICARDO REIS - NÃO TENHAS NADA NAS MÃOS
Correcção do guião de leitura (manual, página 91)
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.[…]
1. Os versos «Não tenhas nada nas mãos / Nem uma memória na alma…» remetem para a filosofia epicurista defendida por Ricardo Reis, que apela à moderação das emoções, renunciando ao prazer, abstendo-se de qualquer desejo ou vontade, numa atitude contemplativa perante a vida. Defendendo a necessidade de viver num estado de profunda serenidade e desprendimento, o sujeito procura assim iludir o sofrimento que a ideia de morte lhe inspira.
2. O conselho do sujeito poético nada mais é do que uma tentativa ilusória para combater a dor e a perturbação causadas pela passagem do tempo e a proximidade da morte. A recusa de qualquer compromisso que comprometa a sua liberdade interior é a única forma de superar a angústia face a uma fatalidade inevitável («Ao abrirem-te as mãos / Nada te cairá.»).
3. As interrogativas retóricas apontam para a filosofia estóica, pois o sujeito poético está consciente de que o Fado é inalterável e cabe a cada um, de forma altiva e resignada, aceitar o fim e a morte. O poder, o mérito e a grandeza humana nada valem perante essa cruel certeza: tudo é efémero e está condenado à fatalidade («Que trono te querem dar / Que Átropos to não tire?»).
4. As expressões «Colhe flores» e «Senta-te ao sol» estão relacionadas com a filosofia horaciana do carpe diem, aproveitar o momento presente, de forma serena e contida, para evitar qualquer perturbação. A expressão «larga-as da mão» sugere uma atitude epicurista, convidando à recusa de qualquer emoção intensa, porque só recusando os compromissos é que se conhece a verdadeira tranquilidade.
5. O verbo abdicar traduz a ideia de recusa, de abandono. Assim, os últimos versos do poema («Abdica/ E sê rei de ti próprio.») sugerem que só é possível evitar a dor e a perturbação através da aceitação lúcida e resignada das leis da vida, no limitado espaço de liberdade de que dispomos (estoicismo).
RICARDO REIS – UNS, COM OS OLHOS POSTOS NO PASSADO
Correcção do guião de leitura (manual, página 92)
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se. […]
1. O sujeito reconhece que há quem olhe para o passado, mas esse apenas vê um simulacro da realidade, porque esta não existe no presente (“Uns, com os olhos postos no passado,/ Vêem o que não vêem...”). Há ainda “outros” que olham o futuro, mas “vêem/ O que não pode ver-se”, ou seja, imaginam o que ainda não existe e, como tal, retêm da realidade uma imagem enganosa.
2. Para o sujeito, a única realidade concreta é o presente, por isso faz a apologia da vivência do momento (carpe diem), influenciado pela sabedoria horaciana, considerando um engano a construção da existência a partir de um passado morto (“Vêem o que não vêem...”) ou de um futuro incerto (“...vêem/ O que não pode ver-se.”). Sabendo que a morte é certa e que nada pode contrariar o Destino, o sujeito adopta a filosofia estóica, reconhecendo assim a inutilidade de qualquer esforço humano para modificar o que já está determinado (“O Fado nos dispõe, e ali ficamos;/ Que a Sorte nos fez postos/ Onde houvemos de sê-lo.”).
3. O sujeito poético defende o epicurismo, pois sabe que é em cada instante vivido que o homem se realiza (“Colhe/ O dia, porque és ele.”) e conquista uma felicidade possível (“A segurança nossa...”), superando a angústia causada pela consciência da brevidade da vida (“Este é o dia, / Esta é a hora, este o momento, isto / É quem somos…”), face à ameaça do tempo destruidor (“Perene flui a interminável hora/ Que nos confessa nulos.”).
4. O sujeito poético denuncia a sua angústia perante a efemeridade da vida e a passagem inexorável do tempo que o conduzirá fatalmente à morte (“Perene flui a interminável hora/ Que nos confessa nulos.”). O desespero perante a inevitabilidade do Destino e da morte (“O Fado nos dispõe....”; “...morreremos...”) obriga o sujeito a procurar uma filosofia de vida que lhe permita superar o sofrimento e atingir uma felicidade ainda que relativa (a defesa do presente como tempo de realização do homem, a única temporalidade ao seu alcance: “Colhe/ O dia, porque és ele.”).
5. A afirmação “Colhe/ O dia, porque és ele.” traduz o ideal epicurista do gozo moderado, disciplinado, do momento presente.
6. Entre os recursos expressivos que se destacam neste poema, saliente-se a presença da adjectivação e do hipérbato que põem em evidência a efemeridade da vida face ao fluir inexorável do tempo que conduz o sujeito poético à morte (“Perene flui a interminável hora/ Que nos confessa nulos.”). Além disso, a metáfora põe em destaque o poder inelutável do Destino a que a vida humana é sujeita, anulando qualquer tentativa de fuga - o homem torna-se joguete de uma entidade sobrenatural, contra a qual é inútil a sua vontade ou esforço (“No mesmo hausto / Em que vivemos, morreremos.”).